Que se for amor,que possa me delinear,
que possa me contornar e me reinventar também,
descobrindo assim novos contornos!
Não importa o quanto nos preocupemos, tampouco o quanto nos importemos com o outro. O outro em sua razão e sensibilidade não compreenderá ou tampouco se importará.
Não seremos amados mais, ou melhor; seremos amados de acordo com as necessidades individuais e também de acordo com as conveniências.
Estaremos sempre na contramão. O ideal de amor e relacionamento está fadado a viver no subjetivo e em sua libérrima utopia.
Viver ultrapassa todo e qualquer entendimento. Amar demanda tempo, comprometimento, envolvimento e paciência. Carecemos de todos eles.
Na verdade, estamos fazendo nossa transição terrena sem consciência ou coerência. Estamos apenas de passagem – Indolentes & Indiferentes a tudo, até mesmo, à nós.
Conexões imperfeitas & Vinganças requintadas
A vingança é uma espécie de justiça selvagem.
Francis Bacon
Definitivamente há certas sutilezas escancaradas e inconscientes vinganças nas relações humanas. Há muito amor amado para que não se possa odiar depois. Tais sutilezas estão entrelinhas, subsistem e coexistem com tal requinte de crueldade. Disfarçadas ou não, se esgueiram sutis e comungam de prazeres que demandariam sessões homéricas de psicanálise.
Parecemos vingar-nos, primeiro, porque se pôs fim à nossa separação, depois porque o nosso vazio não foi preenchido, em seguida, porque não fomos correspondidos e nem tampouco nos foi dada a distinção do mérito e do direito da salvação e satisfação.
Passamos a nomear os que devem ser punidos, elegemos os que, parcialmente recebem a expiação da culpa e são também eximidos do pecado. Abertamente e notoriamente passamos a segregar de forma Dantesca os níveis de ocupação desse inferno pessoal e inexoravelmente intransferível. Embora possamos odiar inconscientemente o repúdio à vingança, todavia somente transpomos a mesma quando nos tornamos o objeto e motivo de tal vingança.
Pretensiosamente desejamos ocupar o papel de vingadores, de vitimarmos o nosso amor, de igualmente, travestirmos de alegorias mundanas nossos sonhos, nossas expectativas e nossos pretensos ideais de justiça.
Somos ardilosos, sutis e sorrateiros quando nos vingamos. Usamos a palavra com maestria e precisão cirúrgica e parecemos prescindir da culpa, da moral cobiçada e existencial.
O filósofo Martin Buber, consciente nos diz que “existe a culpa real”, que há valor no “coração sentido que censura”, e que a reparação, a reconciliação, a renovação exigem uma consciência “que não foge da visão das profundezas, e que quando censura procura o meio para atravessá-las...”
“O homem”, diz Buber, “é o ser capaz de se sentir culpado e capaz de iluminar sua culpa.”
A vingança explícita ou implícita antecede a culpa, a reflexão. Instintiva, elenca sua existência justificada na preservação e manutenção da honra, dos direitos – exercidos, ou não.
Arma-se de um pretenso direito adquirido e pode ser cozida em fogo brando. Sem pressa, silenciosa e assustadoramente real.
Traz consigo certa crueldade latente, visceral e sedutora. Goza-se de um prazer que transcende os escrúpulos, as raias da realidade. Direitos se tornam subjetivos e só vislumbra-se o ato, a vingança pura, simples, dissimulada e ou totalmente declarada.
O que ela (a vingança) está dizendo é que a liberdade e prática começam quando reconhecemos o que é possível – e o que não é. Parte-se do pressuposto, que essa vingança, está nos dizendo que, se chegarmos a conhecer a natureza da nossa insatisfação e atitude, poderemos impor nosso destino sobre a anatomia de nossas intenções & ações.
Sob essa perspectiva, novas abordagens e variações sobre a vingança e sermos vingados acontecerão:
Seremos vingados quando silenciarmos sobre essa geração que raciocina demais para poder ser feliz e bonita. Uma linha tênue irá separar e ao mesmo tempo conectará os motivos e suas respectivas origens. Desvanecer-se-ão os paraísos artificiais e igualmente os arquétipos caricatos.
Passaremos a nos vingar do prazer coletivo quando vivermos à margem, quando representarmos a antítese da vigência e unanimidade tacanha.
Serão aliados à doce vingança: a ironia fina, estudada, inteligente e perfectível.
A vingança igualmente se travestirá de vergonha alheia. Será vaidade despretensiosa, calculada e simetricamente ajustada.
Gozaremos desse prazer sempre que as máscaras caírem, que a verdade vir à tona, sempre que formos reconhecidos pela atitude, pela intrepidez, pela postura e pela honradez.
Sim, nos vingaremos sempre que a justiça for feita, conquistada e estabelecida. Quando, também, a palavra encontrar seu Norte e definir a idiossincrasia das relações humanas.
Seremos vingados quando a unanimidade cega reconhecer que errou, que elegeu candidatos adaptados às necessidades individuais e ou de um grupo de interesses escuso.
É chegado o momento em que devemos optar: curiosidade pela descoberta infinita da vida, seus prazeres sensíveis, suas alegrias selvagens, ou a vingança eminente da vergonha eterna.
Culpa – opte você!
Faz-se silêncio.
Gilbert Antonio
Outubro 2010
A mescla inexorável que as novas relações familiares se constituem, desbancam a tradicional instituição, as quais, fadadas aos modelos tradicionais, prescindiam e prescindem de um novo núcleo etimológico e comportamental.
Viver uma relação familiar como base nos modelos anteriores, difundidos e preconizados pela cultura vigente e rançosa é tornar falível as relações humanas pré/pós-existentes na nova ordem das constituições familiares contemporâneas. Presumir ou insistir que oferecemos material emocional segundo os modelos e exemplos até então vigentes, é igualmente confirmar o fracasso e insucesso das relações consistentemente arraigadas aos parâmetros iniciais.
Existe aquilo que os psiquiatras pontuam de Teoria do Verdadeiro Dilema da Paternidade e da Maternidade, segundo a qual, por mais que os pais devotem sua vida aos filhos, os resultados sempre fogem ao seu controle. Corrobora-se aqui que, modelos e registros, até então defendidos e ou preconizados, não determinam ou tampouco contribuem na formação desse núcleo.
Os núcleos familiares estão recebendo novas constituições de família. Representam em si e socialmente as novas formas ou nem tão novas assim, dessas formações. Famílias que possuem em suas respectivas formações pais homossexuais, bissexuais e atualmente, as famílias formadas pelo poliamor, engrossam as novas e necessárias discussões sobre os arquétipos da sistêmica familiar.
Passamos a conviver com novos e pouco ortodoxos modelos dessa diversidade. Cultivam-se as relações dessa pluralidade através do prazer, satisfação e ordem social. Abre-se mão do gênero o qual essas relações eram constituídas e dá início ao estabelecimento da nova ordem dessas relações. Integra-se aqui, os filhos, que depois de adultos, retornam à casa dos pais para retomar tal sistêmica.
Segundo Judith Viorst, os mitos familiares contribuem para estabilizar a estrutura organizacional. Conservam a unidade emocional. E são apaixonadamente defendidos por todos os membros da família. Mas muitos deles são distorções da realidade, às vezes grotescas e prejudiciais. Representam-se aqui as dificuldades inerentes e pertinentes dos novos núcleos. O universo interno onde essas relações se estabelecem entram em choque com os focos tradicionais e vigentes de famílias tradicionais e seus mitos.
Para manter um determinado mito, diz o especialista em dinâmica familiar Antonio Ferreira, pode ser necessária “uma certa dose de percepção”. Como perceber-se e integrar-se a esse núcleo determinará em parte, a qualidade das relações constituídas na dinâmica familiar.
Judith Viorst pontua que, um dos mais problemáticos desses mitos, ou temas, é o mito da família unida e harmoniosa, que pode acarretar uma negação desesperada de qualquer dissenção ou distanciamento entre os membros da unidade familiar.
Somos filhos de uma geração que anseia pelo amor e aprovação do outro, em outras palavras, não queremos ser rejeitados. Advêm do mito de família unida e harmoniosa, o desespero e angústia em viver segundo as idealizações e projeções feitas para que possamos ser mais e melhor amados.
Viver em família ou em núcleos constituídos como tal, demanda um estudo dos pais que o sistema mitológico da família impõe a cada um. Inconsciente ou conscientemente estamos atrelados aos papéis. Estamos em constante vigília e patrulhamos o objeto de nosso amor. Ainda ressentimos a dúvida ou a constatação de que somos amados de formas diferentes e que há os escolhidos e igualmente os eleitos.
Essas evidências pressupõem um repensar na qualidade dessas relações constituídas; sugerem o impacto das mesmas em nossas respectivas histórias pessoais. Sabemos que uma vez constituída m família e suas ilhas de conforto e interesse jamais seremos os mesmos. Somos tocados para sempre, independentemente de ser de forma boa ou ruim. Tais constatações são factíveis e inevitáveis.
“Nossa experiência subjetiva da vida e nosso comportamento”, escreve o psicanalista Roger Gould, “são governados literalmente por milhares de crenças (ideias) que compõem um mapa, usado para interpretar os acontecimentos da nossa vida (inclusive nossos problemas particulares). Quando crescemos, corrigimos uma convicção que nos restringiu e nos limitou desnecessariamente. Por exemplo, quando aprendemos na juventude que nenhuma lei universal nos obriga a ser o que nossos pais queriam que fôssemos, estamos livres para explorar novas experiências. Abre-se uma porta para um novo nível de consciência...”
Os novos núcleos familiares nos são apresentados e revelam em si um exercício de profunda experiência. Cabe a nós apreender através da diversidade e sazonalidade com que os mesmos acontecem. Cabe igualmente uma ampliação e flexibilidade do amor e seu resgate. Viver tal experiência ultrapassa todo e qualquer entendimento. Transcende até mesmo a forma, o conceito. Permite-nos viver a transcendência do gênero, do modelo, da definição e de regra. A perseguição pela felicidade e respeito à individualidade pode ser obtida na convivência e prática de liberdades respeitadas e valorizadas.
“Imergir para emergir, pode ser parte do processo fundamental do crescimento psicológico”, pode ser igualmente o sonho bom que não queremos acordar e pode ser o caminho de volta para casa, onde as inomináveis definições que demos podem, pura e simplesmente serem chamadas de família – minha doce e segura zona de conforto.
Perdas Necessárias
Apreendi que, no curso de nossa vida, abandonamos muito do que amamos e somos abandonados também. Perder é o preço que pagamos para viver. É também a fonte de grande parte do nosso crescimento e dos nossos ganhos. Ao trilhar o caminho do nascimento até a morte, temos de passar também pela dor de renunciar, renunciar e renunciar a uma parte do que amamos. Temos de enfrentar nossas perdas necessárias.
Devemos entender como essas perdas se ligam aos nossos ganhos.
Pois, ao deixar a beatífica união total mãe-filho e cruzar as fronteiras imprecisas, transformamo-nos em um eu separado, consciente e único, trocando a ilusão de proteção absoluta e segurança a absoluta pelas triunfantes ansiedades de caminhar sozinhos.
E ao aceitar a limitação do proibido e do impossível, tornamo-nos um eu adulto, moral e responsável, descobrindo – dentro dos limites impostos pela necessidade – nossa liberdade de escolha.
E renunciando às nossas expectativas impossíveis, nos tornamos um eu amorosamente ligado, renunciando a visões ideais de amizade perfeita, casamento perfeito, filhos e família perfeitos, em favor das doces imperfeições dos relacionamentos completamente humanos.
E enfrentando as muitas perdas trazidas pelo tempo e pela morte, tornamo-nos um eu que chora e se adapta, encontrando um cada estágio – até o último suspiro – oportunidades para transformações criativas.
Descobri que muito pouco pode ser definido em termos de “este ou aquele”. Descobri que a resposta à pergunta: “É isto ou aquilo?” geralmente é “Ambos”.
Que amamos e odiamos a mesma pessoa.
Que a mesma pessoa – nós, por exemplo – é boa e má ao mesmo tempo.
Que embora do nosso conhecimento, a sejamos impulsionados por forças além do nosso controle e do nosso conhecimento, somos também autores ativos do nosso destino.
E que, embora o curso da nossa vida seja marcado por repetições e continuidade, é também extremamente aberto a mudanças.
Pois é verdade que enquanto vivemos podemos repetir que o presente é definitivamente moldado pelo passado. Mas é verdade, também, que as circunstâncias de cada estágio de desenvolvimento podem nos fazer reexaminar antigas disposições. E não há dúvida de que o discernimento, em qualquer idade, pode evitar que cantemos novamente as mesmas tristes canções.
Assim, embora as primeiras experiências sejam decisivas, algumas decisões podem ser modificadas. Não podemos compreender nossa história em termos de continuidade ou de mudança. Devemos incluir ambas.
E só podemos compreender nossa história reconhecendo que ela é feita de realidades externas e internas. Pois o que chamamos de nossas “experiências” inclui não só o que nos acontece no mundo externo, mas também nossa interpretação dos acontecimentos. Um beijo não é só um beijo – pode ser uma doce intimidade; pode ser uma intrusão ofensiva. Pode até ser apenas fantasia de nossa mente. Cada um tem a resposta interior para os fatos externos da vida. Devemos incluir os dois.
Outra relação de opostos combinados que tende a se misturar a vida real é a de natureza e criação. Pois aquilo que trazemos para o mundo – nossas qualidades inatas, nossos “dados constitucionais” – interatua com a criação que recebemos. Não se pode ver o desenvolvimento em termos só de ambiente ou só de hereditariedade. Ambos devem ser considerados.
Quanto a nossas perdas e ganhos, já vimos que frequentemente se misturam. Para crescer, temos de renunciar a muita coisa. Pois não se pode amar profundamente alguma coisa sem se tornar vulnerável à perda. E não se pode ser um indivíduo separado, responsável, com conexões, pensante, sem alguma perda, alguma desistência, alguma renúncia.
Judith Viorst – Perdas Necessárias