Perdas Necessárias
Apreendi que, no curso de nossa vida, abandonamos muito do que amamos e somos abandonados também. Perder é o preço que pagamos para viver. É também a fonte de grande parte do nosso crescimento e dos nossos ganhos. Ao trilhar o caminho do nascimento até a morte, temos de passar também pela dor de renunciar, renunciar e renunciar a uma parte do que amamos. Temos de enfrentar nossas perdas necessárias.
Devemos entender como essas perdas se ligam aos nossos ganhos.
Pois, ao deixar a beatífica união total mãe-filho e cruzar as fronteiras imprecisas, transformamo-nos em um eu separado, consciente e único, trocando a ilusão de proteção absoluta e segurança a absoluta pelas triunfantes ansiedades de caminhar sozinhos.
E ao aceitar a limitação do proibido e do impossível, tornamo-nos um eu adulto, moral e responsável, descobrindo – dentro dos limites impostos pela necessidade – nossa liberdade de escolha.
E renunciando às nossas expectativas impossíveis, nos tornamos um eu amorosamente ligado, renunciando a visões ideais de amizade perfeita, casamento perfeito, filhos e família perfeitos, em favor das doces imperfeições dos relacionamentos completamente humanos.
E enfrentando as muitas perdas trazidas pelo tempo e pela morte, tornamo-nos um eu que chora e se adapta, encontrando um cada estágio – até o último suspiro – oportunidades para transformações criativas.
Descobri que muito pouco pode ser definido em termos de “este ou aquele”. Descobri que a resposta à pergunta: “É isto ou aquilo?” geralmente é “Ambos”.
Que amamos e odiamos a mesma pessoa.
Que a mesma pessoa – nós, por exemplo – é boa e má ao mesmo tempo.
Que embora do nosso conhecimento, a sejamos impulsionados por forças além do nosso controle e do nosso conhecimento, somos também autores ativos do nosso destino.
E que, embora o curso da nossa vida seja marcado por repetições e continuidade, é também extremamente aberto a mudanças.
Pois é verdade que enquanto vivemos podemos repetir que o presente é definitivamente moldado pelo passado. Mas é verdade, também, que as circunstâncias de cada estágio de desenvolvimento podem nos fazer reexaminar antigas disposições. E não há dúvida de que o discernimento, em qualquer idade, pode evitar que cantemos novamente as mesmas tristes canções.
Assim, embora as primeiras experiências sejam decisivas, algumas decisões podem ser modificadas. Não podemos compreender nossa história em termos de continuidade ou de mudança. Devemos incluir ambas.
E só podemos compreender nossa história reconhecendo que ela é feita de realidades externas e internas. Pois o que chamamos de nossas “experiências” inclui não só o que nos acontece no mundo externo, mas também nossa interpretação dos acontecimentos. Um beijo não é só um beijo – pode ser uma doce intimidade; pode ser uma intrusão ofensiva. Pode até ser apenas fantasia de nossa mente. Cada um tem a resposta interior para os fatos externos da vida. Devemos incluir os dois.
Outra relação de opostos combinados que tende a se misturar a vida real é a de natureza e criação. Pois aquilo que trazemos para o mundo – nossas qualidades inatas, nossos “dados constitucionais” – interatua com a criação que recebemos. Não se pode ver o desenvolvimento em termos só de ambiente ou só de hereditariedade. Ambos devem ser considerados.
Quanto a nossas perdas e ganhos, já vimos que frequentemente se misturam. Para crescer, temos de renunciar a muita coisa. Pois não se pode amar profundamente alguma coisa sem se tornar vulnerável à perda. E não se pode ser um indivíduo separado, responsável, com conexões, pensante, sem alguma perda, alguma desistência, alguma renúncia.
Judith Viorst – Perdas Necessárias
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